quarta-feira, 28 de julho de 2010

SUTEMI


Taisen Deshimaru


"Soltar-se"

"O conceito de sutemi no Budo é essencial. Sute - abandono; mi - corpo. Significa "desprendimento, sacrifício, abandono do corpo". Isto aplica-se não somente ao Karate como ao Kendo e Judo e a todas as outras artes marciais. A primeira escola é tai chai ryu. Tai - corpo; chai - abandono ou desprendimento; ryu - escola ou seita. Depois há mu nen ryu. Mu - prefixo negativo; nen - consciência; abandono da consciência. Depois, mu shin ryu: shin significa espírito ou mente, então é escola do abandono da mente. Mu gen ryu: que significa lutar às cegas, abandono da visão. Mu te ki ryu: sem qualquer inimigo. Mu to ryu: sem uma espada. Shin jin ryu: que se refere ao shin, o verdadeiro espírito. Na ten shin ryuten, o céu ou espírito cósmico.
"Portanto há muitas escolas diferentes, mas todas elas ensinam sutemi, soltar-se, abandonar o corpo, deixa-lo ir, esquecer o ego e não seguir mais nada a não ser o sistema cósmico. Abandonar compromissos, desejos pessoais, ego. Depois podes orientar o ego objectivamente.
"Mesmo que tenhas falhas não deves ter medo ou ansiedade. Deves concentrar-te no presente, no momento, no aqui e agora, e não guardar a tua energia para outra altura. Todas as coisas devem vir do presente, do aqui e agora.
"O corpo move-se naturalmente, automaticamente, inconscientemente, sem qualquer intervenção pessoal ou conhecimento. Mas se começarmos a usar as nossas faculdades de raciocínio, as nossas acções tornam-se lentas e hesitantes. Questões levantadas: a mente cansa-se, e a consciência hesita e tremeluz como a chama duma vela soprada pela aragem.
"No Budo, consciência e acção devem ser sempre uma. Quando começas no Aikido ou kendo tu repetes wasa, técnicas, vezes sem conta, e kata, formas. Elas são repetidas indefinidamente por dois ou três anos, até que formas e técnicas se tornem um hábito, segunda natureza. No principio quando estás a aprendê-las, tu tens de usar a tua consciência pessoal.
"É o mesmo quando se aprende a tocar piano ou tambor ou guitarra. No fim tu podes tocar sem pensar, intuitivamente, não há mais nenhum compromisso, mais nenhuma referência aos princípios. Tu passas a tocar naturalmente, automaticamente. Isto é uma espécie de sabedoria, e fora disso nenhuma coisa original pode ser criada.
"E isto é o mesmo com todas as coisas nas nossas vidas.
"Isto é Zen, o espírito do caminho.
"Grandes obras de arte foram criadas para além da técnica. Bem como no campo da tecnologia e ciência, grandes descobertas transcendem princípios e técnicas. Estar a fixar uma ideia, uma categoria, um sistema de valores, é uma perspectiva errada, contrária às leis da vida e caminho. Na ideia e na acção cada um deve tornar-se verdadeiramente livre.
"Em Zazen, no principio e no final, a postura é o mais importante de tudo, porque todo o nosso ser, a totalidade, está nela. No Zen como no Budo, nós devemos alcançar directa, imediata unidade com a verdade do cosmos. A nossa mente deve pensar para além da nossa consciência pessoal, com o nosso corpo e não somente com o nosso cérebro. Pensar com todo o nosso corpo.
"Aqui está um poema acerca da essência da arquearia, o segredo do Kyudo:

Concentrado
No meu arco tenso
Totalmente dobrado
Onde irá acertar a flecha a tão longa distância?
Não sei.

"E este é outro, desta vez acerca do Kendo.

Nenhum pensamento
Nem antes nem depois,
Nem em frente, nem atrás;
Apenas liberdade
No ponto de equilíbrio.

Este é o caminho, também. O caminho do meio, do equilíbrio".

Taisen Deshimaru, The Zen Way To Martial Arts (pags. 76/78)

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